”A tempera de uma alma é dimensionada na razão direta do teor de poesia que ela encerra” (Horácio Quiroga)

20 de agosto de 2010

Chain

Aquele, de terno marrom,
(atente na camisa amarela,
Manchada de café)
Com a cara bexigosa,
Rubicunda, torta.
Lábios adelgaçados,
Nariz de cavalete,
É capitão ou tenente,
Não sei bem.

Não veio de “escola”,
(Percebe-se pelos modos).
Deve ser “de carreira”:
Soldado, cabo, sargento,
Ou do baixo oficialato.
Na reforma deve chegar
A major, se tanto.
E a hora já chega,
Talvez já passe dos cinqüenta.


Mas posso estar enganado
(Essa gente nos confunde),
Talvez seja um civil, infiltrado.
Advogado, engenheiro, dentista,
Médico ou contador, quem sabe?
Diretor de grande empresa,
Funcionário de autarquia,
Ou profissional liberal.
Tudo nele é enigmático.

Mas a corrente...
Esta, ele sempre a leva.
Pode-se adivinhar o volume
Inchando sua pasta preta
(de nylon ordinário),
Metálica, fria, pesada,
Pronta para afligir,
Conduzida por suas mãos
Rudes, vestidas de fino couro.

E como ele a usava.
Cinco, seis vezes por dia,
O aço cumpria o flagelo
Marcando, dilacerando,
Sangrando, mortificando,
Ao som de berros agoniados.
Corpos sãos, cultos,
Eram massas disformes,
Caídos, mudos, mortos.

E que alegria brilhava
Nos olhos cavos do algoz
(azuis, frios, baços).
Por vezes assoviava,
E era sempre Lupicínio
(Mas, enquanto houver
Força em meu peito,
Eu não quero mais nada.
Só vingança, vingança ...)

Outras vezes solfejava
– Ainda o gaúcho –
(E depois encontrar esse amor,
Meu senhor,
Ao lado de um tipo qualquer)
Pespegando as pancadas,
Ritmando-as, cuidadoso
(Eu só sei é que quando a vejo
Me dá um desejo de morte ou de dor)

Vez por outra duvidava-se
Da pequena gota salgada
Que do azul baço descia, lenta.
Nos porões, falava-se
Que aos domingos, comungava,
Ajoelhado, sereno, contrito,
Enquanto uma das mãos, no bolso
Do indefectível paletó marrom,
Acarinhava os elos da sua amiga.

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